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Mundial 94: advogado do diabo (2)

Aproveitando o comentário do prof. Ricardo Cabral, Gerente Nacional de Polo Aquático da CBDA, vamos dar sequência as questões levantadas na postagem anterior, sempre com o intuito de avançar na discussão acerca do polo aquático brasileiro. Em alguns aspectos concordamos com o prof. Cabral, em outros, não. Vamos priorizar os aspectos em que discordamos.
Na verdade, a grande pergunta que deve ser feita neste momento é: o que se pretende com o polo aquático no Brasil? A grosso modo, duas são as respostas possíveis: ou a pretensão é fazer com que o esporte cresça e entre no 1º escalão mundial, ou, então, apenas mantê-lo ativo no Brasil.
Aproveitando a proximidade das Olimpíadas do Rio, pegaremos como exemplo, dois modelos diferentes de desenvolvimento. O caminho seguido por Espanha, Austrália e Grécia, que aproveitaram os Jogos Olímpicos em seus países para dar um salto de qualidade e, em contrapartida, o caminho trilhado pela Grã-Bretanha, que pretendia apenas fazer um papel honroso nos Jogos de Londres.
Espanha, Austrália e Grécia não figuravam entre as principais forças do polo aquático mundial antes de organizarem Olimpíadas em casa. Em Campeonatos Mundias e Olimpíadas, esses países figuravam sempre no 3º escalão, com colocações próximas as do Brasil (a Grécia, por sinal, sempre foi "freguês" do Brasil). Aproveitando os Jogos Olímpicos de Barcelona 1992, Sidnei 2000 e Atenas 2004, Espanha, Austrália e Grécia, respectivamente, entraram de vez no rol das grandes equipes. Um detalhe comum as três, foi o investimento pesado na categoria Júnior. Todas conseguiram resultados expressivos nos Mundiais Júnior anteriores às Olimpíadas (Espanha, campeã em 1991; Austrália, vice-campeã em 1999; Grécia, campeã em 2001).
Como já repetimos diversas vezes, não é difícil entrar no bloco principal do polo aquático mundial (aqui, um ponto de divergência com o prof. Cabral, que considera difícil mudanças nos próximos 20 anos), por um motivo muito simples, o polo aquático é um esporte minúsculo em âmbito global. O nível de excelência no polo aquático mundial é baixo. Mesmo na Europa, principal centro do esporte, o polo é semi-amador, envolvendo valores irrisórios, se comparados com outros esportes. Hungria, Itália e os países dos Bálcãs são a referência no polo aquático, não porque seus atletas são "super-homens", mas porque nesses países existe uma cultura de polo aquático que data do início do século passado, o que garante sempre uma reserva de material humano renovável. E essa reserva não precisa ser grande, nem de qualidade excepcional, pois o nível técnico dos demais países é muito baixo. Portanto, qualquer país que investir no polo aquático com o intuito de se aproximar desse grupo, vai ter sucesso, como provaram Espanha, Austrália e Grécia. No Feminino, então, nem se fala. O polo feminino é um esporte recente, com os níveis de excelência e de investimento ainda mais baixos do que o Masculino. A China é o grande exemplo desse modelo de desenvolvimento, tendo alcançado, em pouquíssimo tempo, dois vice-campeonatos em Mundias (um Júnior e um Adulto).
Agora vem o outro lado da moeda. Pode ser, também, que a opção feita seja apenas de manter a modalidade ativa no país, sem grandes ambições. Pode acontecer de, numa análise fria, se chegar a conclusão que não vale a pena investir no desenvolvimento do polo aquático e que manter o esporte em atividade, mesmo que de forma amadora, com um pequeno número de participantes, seja a solução mais adequada. E falamos isso, sem nenhuma ponta de ironia, estamos sendo absolutamente sinceros em levarmos em consideração essa opção, que, por sinal, é a opção adotada pela maioria esmagadora dos países. A Grã-Bretanha é um exemplo recente dessa opção. Para o polo britânico, ter participado das Olimpíadas já foi uma grande vitória (existia o risco de, mesmo sendo os Jogos em Londres, a Grã-Bretanha não participar do polo aquático). Não havia nenhuma expectativa por parte dos britânicos de entrarem no 1º escalão do polo mundial, queriam apenas fazer um papel digno em casa (inclusive, a proposta de colocar a seleção júnior para disputar a Liga, foi posta em prática na Liga Britânica nas últimas temporadas).
Nada obriga um país a ser uma potência no polo aquático, essa decisão vai depender de condições materiais e humanas concretas, e pode ser que tais condições não sejam viáveis ou tenham um custo que não compensa. A única ressalva, é que, caso se decida por essa última opção, que isso fique claro, sem mercantilismo de ilusões.
Agora, com relação aos demais pontos que discordamos do prof. Cabral, vamos ser bastante objetivos. Que essa geração atual (que identificamos como 93/96) é uma boa geração, é um fato. Mas daí a dizer que houve uma evolução técnica em relação a gerações anteriores, vai uma grande distância. O Brasil já teve gerações fortíssimas, mais talentosas do que a atual (como as 67, 69 e 75, por exemplo) e isso não representou nenhum avanço no polo brasileiro.
Com relação a sorte no chaveamento dos grupos, é óbvio que ela é sempre bem vinda, mas a sorte não pode ser o fator determinante para terminarmos na 8ª ou na 18ª colocação. É sempre bom contarmos com a sorte, mas só ela não basta.
Da nossa parte, também adoraríamos ter vários "Grummys" e Izabellas no polo brasileiro. Mas a nossa pergunta é: o que é feito para que talentos como esses apareçam com mais frequência? Ficar dependendo apenas do acaso é muito pouco. Dizer que as grandes seleções do mundo também dependem de Filipovics, Vargas, Azevedos etc., é mascarar a realidade. Para ficar apenas no exemplo da Sérvia, a mesma seleção júnior que revelou Filipovic, contava, também, com Prlainovic, Pijetlovic, Aleksic, entre outros.
Para terminar, gostaríamos de levantar um ponto que é sempre abordado, qual seja, o fato do Brasil ser um dos poucos países (senão o único) que banca integralmente as viagens das seleções de base. A nossa pergunta é a seguinte: se essa prática existe há mais de duas décadas e até agora os resultados não apareceram, não seria a hora de mudar? Efetivamente, o fato da CBDA bancar integralmente as viagens das seleções de base representou alguma evolução para o polo brasileiro nesses últimos 25 anos? Então, por que não mudar? Por que não utilizar a verba de uma maneira diferente? A Espanha, muito provavelmente devido a crise econômica, avaliou que seria melhor não enviar as seleções para o Mundial 94. Alguém acredita que, por conta disso, a geração 94 do Brasil é superior à espanhola? A Espanha não foi ao Mundial, mas tem outros projetos em andamento nas divisões de base que compensam com sobras essa ausência. Será que já não passou da hora da CBDA alterar essa política e pensar em outras formas mais produtivas de utilizar os recursos? Por que insistir numa prática que não apresenta resultados?
Encerramos relembrando a nossa pergunta inicial: antes de mais nada, é preciso ficar claro o que se pretende para o polo aquático brasileiro.

Comentários

  1. Clodoaldo, parabéns mais uma vez pela lucidez nas suas colocações.

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  2. Clodoaldo

    Vamos lá, sua postagem me lembrou perguntas de pesquisa que, não sei porque insistiam em questões sobre concordar totalmente, discordar totalmente, discordar parcialmente ou concordar parcialmente. Realmente estamos num impasse, entretanto, tenho certeza que ambos queremos a mesma coisa: o melhor para o polo aquático brasileiro.

    Além de perguntar o que queremos ser, devemos perguntar quem somos nós, aonde estamos nós, e que caminhos devemos escolher para chegar onde queremos. Quando me refiro a quem somos nós, nesse ponto é que discordei também do gráfico apresentado pelo Kiko que mostra uma curva de desempenho do Brasil baseado, apenas em classificações, sem remeter à uma outra ótica que sugira uma avaliação qualitativa.

    Discutimos muito sobre o que fazer e como fazer para atingir um nível de desempenho esportivo mais alto, e é claro que a questão passa por investimentos mais pesados, que para acontecer precisa-se de resultados, que para se ter resultados precisa-se de mais investimentos, que para se ter mais investimentos os mesmos devem ser em todos os segmentos ( tanto interno quanto externo), e por aí vai.

    Muitos já me sugeriram que a CBDA adote um modelo onde se privilegie a seleção permanente onde os jogadores ficariam à disposição da CBDA. Muitos acham uma loucura pois isso acabaria de vez com os clubes. Muitos querem competições de 8 meses. Quando fazemos de 3 meses, chegamos a conclusão que não temos, contingente, numérico e técnico para tanto.

    Resumindo, acredito e vamos trabalhar para isso que a nossa Missão para o polo aquático brasileiro para 2016 ( e isso foi apresentado como planejamento estratégico), é ficarmos entre as 8 primeiras equipes classificadas, e deixar um legado esportivo real para a modalidade. Para isso vamos continuar investindo em ações internas ( nacionais) e externas (internacionais).

    Para finalizar, colocar o Brasil e Grã-Bretanha no mesmo saco não me parece uma boa comparação de propostas de desenvolvimento ( em termos de ações e objetivos). Da mesma forma que a Grécia, que fica a poucos quilômetros dos Grandes centros ( o que fica muito, muito mais fácil as coisas) e com a Australia que tem uma das melhores políticas esportivas do mundo ( não é de polo aquático)

    Pena que as nossas discussões sejam restritas a poucos interessados. Parabéns por levantá-las.

    Ricardo Cabral

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  3. Clodoaldo

    Apenas complementando, a Austrália ao longo das últimas décadas já tem 99% de chance de participação em Jogos Olímpicos por pertencer a Oceania ( Nova Zelândia não possui uma política forte esportiva), o que sempre garantiu mais recursos. Mesmo assim nunca foi considerada ameaça à hegemonia européia.
    A Espanha sempre figurou entre os melhores e já em 1988 em Seul, quatro anos antes de Barcelona foi a sexta colocada. Possui um contigente de participantes não muito grande, mas de uma base técnica fantástica e possibilidades mil de intercâmbio. A Grécia, apesar de ter sido a 4a colocada em 2004 desde 1988 já flutuava entre a 9a e 11a colocações nos Jogos. A Gran-Bretanha nunca teve polo aquático ( acho que só o principe jogava no Palácio) e fez um time de ïmportados"somente para 2012. Foi um projeto que encerrou nele mesmo.
    De 1988 para cá (2012), apenas em países com mais tradição em polo aquático e que organizaram os Jogos conseguiram melhores classificações. Coréia 1988 em 12o (último), Barcelona 1992, Espanha em 2o, Atlanta 1996, EUA em 5o ou 6o, 2000, Sidney, Australia também se não me engano entre os 6 primeiros, 2004 Athenas, Grécia em 4o, 2008 Pequim, China em último no masculino ( optaram por investir no feminino e concentraram a seleção na Europa e foram pódium), Londres 2012, Gran-Bretanha em último. De todos esses países, apenas EUA, Australia, Grecia e Espanha participaram de todos os Jogos e participam de mundiais senior e de base. Se conseguirmos uma boa classificação nos Jogos, compatível com a realidade do esporte no país e no mundo e conseguirmos, principalmente, deixar um legado em termos de participação interna, visibilidade para o esporte, melhores resultados internacionais e uma melhora da qualidade técnica estaremos, todos, de parabéns.
    Ricardo Cabral

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  4. “Sem querer, querendo”, analisar a evolução técnica do polo aquático baseando-se em resultados anteriores dos Mundiais de Junior e com isso dizer que sempre tivemos em outras ocasiões gerações competitivas , e que o momento em que vivemos é apenas uma repetição do quadro anterior, não deixa de ser uma verdade parcial, mas discordo quando é dito que sempre tivemos esta evolução e o quadro técnico não mudou para melhor.
    Entre uma ótima geração e outra sempre tivemos um grande hiato técnico. É só lembrarmos que demoramos anos para ganhar um Pan Junior e levamos outros até conseguirmos repetir o feito.
    É ai que chega ao ponto, quando conseguimos voltar ao pódio de primeiro, conseguimos outro no ano seguinte e aos que acompanham estas gerações que estão vindo, podem ter a certeza que outros seguidamente virão. E qual a razão disso? Simplismente porque ,evoluímos sim tecnicamente. Nossos atletas começam hoje a praticar e competir mais cedo, com dez, nove e até mesmo oito anos. Quando estes chegam aos quinze ou dezesseis, já possuem bagagem técnica suficiente para enfrentar os adversários com igualdade, fato este, que não se repetia em gerações anteriores aonde dependíamos somente do talento natural de alguns para a perpetuação técnica.
    Quem acompanhou este último Festival Infantil de Verão CBDA/CORREIOS criado para suprir este hiato, pode assistir a nove equipes com jogadores jovens e que já estarão prontos para substituírem aos que sobem de categoria, e isto tanto no masculino quanto no feminino ,aonde também tivemos duas equipes do ano 99 participando. São meninos e meninas que surgem de clubes e projetos sociais e que tem como meta alongar esta participação esportiva.
    Fiquei contente em escutar de um técnico estrangeiro ( medalhista Olímpico ) ao se referir ao comportamento de determinados técnicos da categoria que gritavam com seus atletas durante os jogos, o seguinte comentário .”O que mais me interessa na formação destes novos atletas é que eles joguem de forma alegre e aprendam os fundamentos”. Não sei se foi por acaso, mas a sua equipe foi a vencedora.
    Para terminar não vejo como estagnada a nossa evolução técnica, mas vejo estagnada a visão de quem olha o futuro do nosso polo aquático.
    Abs
    Roberto Cabral

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    Respostas
    1. Caro Roberto,
      A análise de uma evolução técnica só pode ser feita tomando o desenvolvimento global da modalidade como referência. Vc dizer q os atletas brasileiros de hj são mais bem preparados técnica e fisicamente do q os de 40 anos atrás, é o óbvio. Nesse período, a prática esportiva, de uma maneira geral, e as modalidades, em particular, evoluíram muito. No caso específico do polo, basta olhar as mudanças na regra para se constatar isso. O tempo de ataque diminui cada vez mais, passou a ser proibido bloquear com os 2 braços, e por aí vai. Todas essas mudanças são em decorrência da evolução técnica e física dos atletas. O q tem q ser analisado é se o grau de evolução no Brasil, superou, ficou aquém ou esteve no mesmo nível da evolução global. A julgar pelo gráfico demonstrativo dos resultados nos últimos 25 anos, o q se percebe é q, no máximo, o Brasil acompanhou a evolução global, uma vez q se manteve praticamente no mesmo patamar;
      Abs.

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